Zona Franca de Manaus e Reforma Tributária: o que muda, impactos e o futuro da região
A Zona Franca de Manaus (ZFM) sempre esteve no centro de discussões sobre desenvolvimento regional, incentivo fiscal e equilíbrio federativo. Com a recente aprovação da Reforma Tributária no Brasil — materializada principalmente na Emenda Constitucional nº 132/2023 e regulamentada pela Lei Complementar nº 214/2025 —, esse debate ganhou novas camadas de complexidade e urgência. A substituição de tributos tradicionais como ICMS, IPI, PIS e Cofins por impostos unificados (CBS, IBS e IS) levanta dúvidas profundas sobre o futuro do modelo fiscal da ZFM e suas implicações para a economia da Amazônia e do Brasil como um todo.
A Zona Franca de Manaus é um regime especial de incentivos fiscais criado em 1967 com o objetivo de impulsionar o desenvolvimento econômico da região Norte do país. A ideia era compensar a desvantagem logística e promover a industrialização da Amazônia por meio de benefícios tributários federais, estaduais e municipais. Desde então, o modelo se consolidou como pilar da economia local, sendo responsável por atrair centenas de empresas, gerar milhares de empregos e sustentar grande parte do PIB do Estado do Amazonas.
Com a Reforma Tributária, o sistema tributário brasileiro inicia uma transição para um modelo mais simplificado e eficiente, baseado na lógica de não cumulatividade ampla e tributação no destino. No entanto, essa simplificação representa um risco potencial à existência de regimes especiais como o da ZFM, que se baseiam exatamente na complexidade do sistema atual para justificar seus incentivos. Em outras palavras, ao eliminar ou modificar a base legal dos tributos que sustentam o modelo da ZFM, a Reforma pode comprometer sua funcionalidade e atratividade.
Para lidar com esse desafio, a nova legislação incluiu dispositivos específicos que buscam garantir a manutenção do diferencial competitivo da ZFM. Entre os mecanismos previstos, estão a continuidade da incidência do IPI exclusivamente para produtos incentivados na ZFM, a concessão de créditos presumidos de IBS e CBS e a criação de novos fundos constitucionais de desenvolvimento regional. Ainda assim, há insegurança jurídica e preocupações sobre a viabilidade desses mecanismos no longo prazo.
Este artigo vai esclarecer, com base na legislação atualizada e nos debates públicos mais recentes, quais são os impactos da Reforma Tributária sobre a Zona Franca de Manaus.
O que é a Zona Franca de Manaus e por que ela está em debate com a reforma tributária?
A Zona Franca de Manaus (ZFM) é um modelo de desenvolvimento regional baseado em incentivos fiscais, criado em 1967 por meio do Decreto-Lei nº 288/1967. Seu principal objetivo sempre foi atrair investimentos para a Amazônia Ocidental, gerar empregos, estimular a industrialização e promover a ocupação econômica de uma região historicamente isolada do centro produtivo do Brasil. A iniciativa também foi estratégica para a soberania nacional e a preservação ambiental da floresta amazônica.
Com sede no Estado do Amazonas, a ZFM abrange os municípios de Manaus, Rio Preto da Eva e Presidente Figueiredo. Ela opera como um entreposto aduaneiro especial, com isenções e suspensões tributárias nas esferas federal, estadual e municipal. Isso cria um ambiente extremamente vantajoso para indústrias que se instalam na região.
Contudo, a aprovação da Reforma Tributária trouxe um novo cenário. A proposta do governo é substituir cinco tributos sobre o consumo (IPI, ICMS, ISS, PIS e Cofins) por três novos: CBS (federal), IBS (estadual e municipal) e IS (Imposto Seletivo). Essa unificação busca simplificar o sistema, mas ameaça as bases legais que sustentam os incentivos da ZFM.
Por que a Zona Franca de Manaus está em debate?
A discussão gira em torno de uma pergunta fundamental: como manter o diferencial competitivo da ZFM sem os tributos que hoje viabilizam seus benefícios?
Estrutura de tributos antes e depois da reforma
A tabela abaixo ilustra como era o sistema tributário aplicado à ZFM antes e depois da reforma:
Tributo | Antes da Reforma (até 2026) | Após Reforma (a partir de 2027) |
---|---|---|
IPI | Isenção + crédito presumido | Redução a zero exceto para produtos da ZFM |
PIS/COFINS | Isenção nas operações internas | Substituído pela CBS com créditos escalonados |
ICMS | Crédito estímulo e base reduzida | Substituído pelo IBS com crédito presumido |
ISS | Não aplicável (atividade industrial) | Substituído pelo IBS municipal |
CBS (novo) | Não existia | Alíquota zero e crédito presumido |
IBS (novo) | Não existia | Alíquota zero, redução e crédito presumido |
IS (novo seletivo) | Não existia | Não incide sobre produtos incentivados da ZFM |
O desafio jurídico e econômico
Apesar da manutenção formal dos benefícios, há incerteza sobre a efetividade e operacionalização do novo modelo. O desafio será traduzir os antigos incentivos (baseados em tributos extintos) em créditos financeiros reais nos novos tributos. Isso depende de regulamentações claras, ajustes no fluxo de caixa das empresas e mecanismos de compensação que realmente funcionem.
Além disso, discute-se se os novos tributos conseguirão evitar distorções regionais e a chamada “guerra fiscal” sem prejudicar polos industriais como o de Manaus.
Qual o impacto da reforma tributária na Zona Franca de Manaus?
A aprovação da Reforma Tributária representa uma transformação sem precedentes no sistema de arrecadação do Brasil — e a Zona Franca de Manaus (ZFM) está no centro desse redemoinho. A proposta de unificação dos tributos sobre o consumo em três novos impostos (CBS, IBS e IS) promete simplificar, mas também gera insegurança sobre a continuidade dos benefícios fiscais da ZFM e sua competitividade industrial.
A principal preocupação gira em torno da substituição do IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS, tributos que são justamente a base dos incentivos tributários concedidos à região. Isso afeta diretamente o cálculo de custos, a formação de preços e o retorno financeiro das indústrias que operam na ZFM.
O que muda com a nova estrutura tributária?
Antes da reforma, o diferencial competitivo da Zona Franca se baseava em regimes de isenção, suspensão e crédito presumido desses tributos. A Reforma substitui esse sistema por um modelo de IVA dual (CBS e IBS), com nova sistemática de apuração e compensação.
A seguir, veja as principais mudanças com a entrada em vigor da nova legislação:
Aspecto | Antes da Reforma | Após Reforma (a partir de 2027) |
---|---|---|
IPI | Isento na ZFM + crédito presumido | Redução a zero, exceto para produtos incentivados da ZFM |
PIS/Cofins | Isenção e suspensão | Substituído por CBS com alíquota zero e crédito escalonado |
ICMS/ISS | Incentivos estaduais e municipais | Extintos; substituídos por IBS com mecanismos compensatórios |
Créditos Presumidos | Amplo uso com poucas restrições | Limitados a compensação com os próprios tributos (sem ressarcimento) |
Tributação na origem/destino | Maior incidência na origem | Predominância do destino, o que reduz vantagem regional |
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Perda de competitividade e riscos para empresas
A extinção de parte dos tributos e a limitação da utilização dos créditos presumidos podem reduzir a atratividade econômica da ZFM. Um dos pontos mais sensíveis é que os créditos presumidos não são mais ressarcíveis em dinheiro, podendo apenas ser usados para abater o próprio IBS ou CBS — o que afeta negativamente o fluxo de caixa das empresas.
Além disso, a lógica de tributação no destino — fundamental na CBS e IBS — elimina parte da vantagem competitiva gerada pela isenção na origem. Isso pode gerar perda de mercado para produtos fabricados na ZFM frente a concorrentes de outras regiões, especialmente se os novos incentivos forem insuficientes para manter o mesmo nível de proteção fiscal.
O caso do artigo 454 e o “IPI-ZFM”
Uma exceção importante é a manutenção do IPI apenas para produtos fabricados na ZFM, como determinado pelo artigo 454 da LC 214/2025. Ele permite que certos produtos continuem com alíquota de IPI ativa, mesmo após sua extinção geral em 2027. Isso garante o uso estratégico do crédito de IPI por adquirentes em outras regiões, reforçando a posição competitiva dos produtos da ZFM.
Contudo, o texto legal não esclarece quais produtos terão essa vantagem, o que aumenta a incerteza jurídica e exige das empresas planejamento estratégico rigoroso.
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Quais os benefícios fiscais da Zona Franca de Manaus atualmente?
A Zona Franca de Manaus (ZFM) é um dos principais instrumentos de incentivo fiscal e desenvolvimento regional do Brasil. Criada em 1967 e com validade estendida até 2073 pela Constituição Federal (Art. 92-A do ADCT), ela oferece um regime tributário diferenciado para empresas que se instalam na região, especialmente nos setores industrial, comercial e de serviços.
Esses benefícios têm como objetivo compensar a distância geográfica, atrair investimentos, gerar empregos e estimular a industrialização da Amazônia. Para isso, a ZFM oferece incentivos robustos em tributos federais, estaduais e municipais — modelo que, ao longo dos anos, consolidou Manaus como um dos maiores polos industriais do país.
Benefícios fiscais vigentes na Zona Franca de Manaus
A tabela abaixo resume os principais incentivos oferecidos atualmente para empresas habilitadas pela Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA):
Tributo | Benefício Fiscal | Base Legal |
---|---|---|
IPI | Isenção na industrialização local e importações, com direito a crédito presumido na saída | Decreto-Lei nº 288/1967; RIPI Art. 81–86 |
PIS/COFINS | Isenção nas vendas internas e suspensão nas importações | Lei nº 10.637/2002 e 10.833/2003 |
ICMS | Crédito estímulo de até 90,25% sobre o valor do imposto devido (legislação estadual) | Lei Estadual nº 2.826/2003 |
ISS | Reduções e isenções concedidas por municípios da ZFM | Legislação municipal |
Importação | Isenção de II, IPI e PIS/COFINS para insumos e equipamentos destinados à industrialização | RIPI e IN SRF 208/2002 |
Imposto de Renda | Depreciação de ativos e deduções com base em reinvestimento de lucros | Decreto-Lei nº 288/1967 |
Crédito presumido e competitividade
Um dos incentivos mais poderosos da ZFM é o crédito presumido de IPI, que permite que indústrias de outras regiões se creditem de valores que, na prática, não foram recolhidos. Esse mecanismo é reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal como instrumento legítimo de desenvolvimento regional (RE 592.891, Tema 322).Com a Reforma Tributária, esse modelo está sendo transposto para o novo sistema com os créditos presumidos de IBS e CBS. A indústria incentivada poderá utilizar esses créditos com percentuais diferenciados, como mostra o exemplo abaixo:
Tipo de produto | Crédito presumido de IBS (%) |
---|---|
Bens de consumo final | 55% |
Bens de capital | 75% |
Bens intermediários | 90,25% |
Bens de informática (exceções) | 100% |
Já a CBS prevê crédito presumido de 6% para produtos com IPI zerado (a partir de 2027), com exceção de alguns setores. Nos demais casos, o crédito será de 2%.
Comércio e serviços também são beneficiados
Além da indústria, empresas comerciais e prestadoras de serviços localizadas na ZFM também se beneficiam com alíquota zero de CBS nas operações internas, o que reduz custos e incentiva o consumo local. A jurisprudência do STJ já reconheceu esse tratamento isonômico como constitucional, e a Lei Complementar nº 214/2025 incorporou essa previsão na nova sistemática tributária.
Zona Franca de Manaus será extinta com a reforma tributária?
A cada nova proposta de reforma tributária, ressurge uma pergunta inquietante: a Zona Franca de Manaus será extinta? Essa dúvida ganhou força com a promulgação da Emenda Constitucional nº 132/2023, que transforma profundamente o sistema tributário brasileiro. No entanto, a resposta legal e política até o momento é clara: não, a ZFM não será extinta — pelo menos no curto e médio prazo.
Garantias constitucionais preservadas
A nova redação constitucional reafirma que leis complementares deverão estabelecer mecanismos para manter o diferencial competitivo da ZFM, nos mesmos níveis proporcionados pelos tributos extintos (IPI, ICMS, PIS e Cofins). Essa diretriz está expressa no artigo 92-B do ADCT:
“As leis instituidoras dos tributos previstos nos arts. 156-A [IBS] e 195, V [CBS], da Constituição Federal estabelecerão os mecanismos necessários, com ou sem contrapartidas, para manter, em caráter geral, o diferencial competitivo assegurado à Zona Franca de Manaus pelos arts. 40 e 92-A […].”
Em resumo, a Constituição garante a preservação dos incentivos, mesmo que os tributos originais desapareçam.
O que muda na prática?
Embora a extinção formal da ZFM não esteja em pauta, o desafio está na forma de operacionalizar os novos incentivos. A substituição do IPI por CBS, IBS e Imposto Seletivo obriga uma adaptação do modelo.
Alguns pontos de atenção:
- O IPI será zerado nacionalmente, mas mantido para produtos da ZFM, como prevê o Art. 454 da LC 214/2025.
- A zona franca terá direito a créditos presumidos de CBS e IBS, com regras específicas de apuração.
- A tributação no destino (regra do IVA dual) pode reduzir parte das vantagens que hoje são concentradas na origem.
Essas mudanças, embora não eliminem a ZFM, podem alterar profundamente sua atratividade econômica se não forem implementadas com cuidado técnico e segurança jurídica.
Qual o futuro da Zona Franca de Manaus após a reforma tributária?
A Reforma Tributária aprovada em 2023 e regulamentada em 2025 abriu um novo capítulo para o sistema fiscal brasileiro — e com ele, trouxe incertezas e oportunidades sobre o futuro da Zona Franca de Manaus (ZFM). Se por um lado a Constituição garante sua existência até 2073, por outro, as mudanças nos tributos que sustentam seus benefícios exigem uma reinvenção estratégica do modelo.
O que se discute agora não é mais se a ZFM vai acabar, mas sim como ela pode se adaptar ao novo cenário tributário nacional e às demandas contemporâneas de desenvolvimento sustentável, inovação tecnológica e equilíbrio regional.
Qual a importância econômica da Zona Franca de Manaus para o Brasil?
A Zona Franca de Manaus (ZFM) é muito mais do que um regime de isenção fiscal — ela é uma engrenagem estratégica da economia brasileira e um dos principais pilares de desenvolvimento da Região Norte. Criada para reduzir desigualdades regionais, proteger a floresta e integrar a Amazônia à economia nacional, a ZFM se consolidou como um polo industrial robusto, altamente relevante tanto para o Estado do Amazonas quanto para o país como um todo.
Indicadores econômicos da Zona Franca de Manaus
A seguir, apresentamos os números mais recentes que ajudam a dimensionar a importância da ZFM na economia brasileira:
Indicador | Valor / Destaque |
---|---|
Faturamento do Polo Industrial de Manaus (PIM) (2024) | Aproximadamente R$ 204 bilhões |
Empregos diretos | Mais de 110 mil postos formais |
Empregos indiretos | Estimados em 450 mil postos |
Número de empresas instaladas | Cerca de 600 indústrias de médio e grande porte |
Produtos fabricados | Eletroeletrônicos, motocicletas, medicamentos, informática, plásticos |
Exportações (2024) | Mais de US$ 619.330 milhões |
Fonte: Superintendência da Zona Franca de Manaus
Papel estratégico para a federação
A importância da Zona Franca de Manaus vai além da geração de riqueza local. Ela cumpre funções estruturais para o país, tais como:
- Reduzir desigualdades regionais, um dos princípios do pacto federativo (Art. 3º da Constituição);
- Evitar a concentração econômica no Sul e Sudeste;
- Estimular a integração nacional, promovendo ocupação produtiva na fronteira amazônica;
- Contribuir com segurança nacional e soberania territorial, ao manter atividades econômicas em regiões sensíveis;
- Apoiar a industrialização nacional, com foco em bens de consumo, eletrônicos e alta tecnologia.
Efeito social e ambiental
Do ponto de vista social, a ZFM ajuda a sustentar uma classe média urbana em Manaus e região metropolitana, além de financiar políticas públicas via arrecadação estadual e municipal. No aspecto ambiental, embora ainda haja desafios, o modelo tem contribuído para a preservação da floresta, ao oferecer uma alternativa econômica ao desmatamento.
Estudos demonstram que os municípios economicamente integrados ao polo industrial da ZFM apresentam índices de preservação florestal superiores à média da Amazônia Legal. Ou seja, há correlação direta entre atividade econômica formalizada e conservação ambiental.
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