Em julho de 2020, o Ministro Paulo Guedes, enviou o texto do Projeto de Lei nº 3887/2020 para análise do Senado Federal e da Câmara dos Deputados. Nesse PL, foi apresentada a primeira fase da Reforma Tributária proposta pelo próprio Ministério da Economia. Agora, em julho de 2021, a segunda etapa foi entregue para aprovação. 

Em termos gerais, a primeira proposta sugeriu a criação da CBS (Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços) — um imposto para substituir os conhecidos PIS (Programa de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público) e COFINS (Contribuição ao Financiamento da Seguridade Social).

Já a segunda proposta focou muito mais no Imposto de Renda, apresentando uma mudança significativa na forma de pagamento tanto de pessoas físicas quanto jurídicas.

Mas para entender, de fato, o que está em pauta agora, é preciso antes voltar um pouco na linha do tempo da realidade fiscal brasileira e analisar o contexto geral que envolve o tema da reforma tributária. E, neste texto, faremos justamente isso, a fim de compreender não só o que pode mudar, caso a proposta do Ministério da Economia seja aprovada, mas também qual é, de fato, o tipo de reforma que o sistema tributário de nosso país precisa e por que ela ainda não aconteceu. 

  • Neste artigo você vai ver:

Por que uma reforma?

Não dá para falar sobre reforma tributária sem antes entender o porquê de sua necessidade. E, nesse ponto, os motivos para que ela aconteça são inúmeros. 

Em primeiro lugar, podemos apontar o fato de que o Brasil possui um dos sistemas fiscais mais complexos do mundo. Por aqui, cerca de 52 regras tributárias são alteradas a cada dia útil, fazendo com que acompanhar as atualizações da legislação seja simplesmente impossível. 

Nesse contexto, as empresas são as que mais sofrem. De acordo com o estudo Doing Business, realizado pelo Banco Mundial, os negócios brasileiros precisam despender cerca de 1.501 horas por ano para poder cumprir com suas obrigações tributárias. Mas essa conta ainda pode ser maior. Segundo uma pesquisa recentemente publicada pela Deloitte, uma empresa em nosso país pode precisar de até 34 mil horas a cada ano para lidar com seus processos fiscais. 

Para além da burocracia que faz da tarefa de tributar algo árduo e incessante, também é possível citar o peso dos tributos como uma das razões para se aplicar uma reforma tributária. Atualmente, os brasileiros têm de arcar com uma carga fiscal de 35,7%  do PIB, índice este que é histórico — o maior desde 1947. E se estivermos falando sobre as empresas, especificamente, o impacto é ainda maior: 41% do faturamento delas é destinado ao pagamento de tributos. 

E se todos esses dados, por se relacionarem estritamente às empresas, não forem suficientes para embasar a necessidade de uma reforma, podemos apontar também para como o nosso sistema fiscal afeta a esfera social. 

Em nosso país, predomina o modelo de tributação sobre consumo. Isso significa que impostos, taxas e contribuições são cobrados sobre processos comerciais, como compra e venda de bens e serviços. Enquanto isso, em outros lugares do mundo, a tributação sobre a renda costuma ser o modelo mais comum, que é aquele em que a cobrança de impostos acontece sobre a receita de pessoas físicas e jurídicas.

Tal postura contraditória ao padrão global no quesito tributário tem suas consequências e, vale adiantar, que elas não são as mais positivas. Ao cobrar tributos sobre o consumo, o nosso sistema fiscal acentua desigualdades sociais, posto que encarece o valor dos produtos e serviços e faz com que pessoas de menor renda sejam mais afetadas pela carga tributária do que aquelas com maior capital.

E não bastasse isso, ainda há que se ressaltar o seguinte: a alta carga tributária do Brasil não se compensa. Pessoas físicas e jurídicas, independentemente de seu nível de receita, não obtêm retornos sociais o suficiente para justificar a quantia que pagam em impostos. De acordo com o indicador IRBES (Índice de Retorno ao Bem Estar da Sociedade), calculado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação, o Brasil é o país com o pior retorno ao bem estar social a partir dos tributos que arrecada. 

Assim, por todos esses fatores — os quais são apenas alguns exemplos —, se faz necessária a aplicação de uma reforma tributária no Brasil. Vale salientar, porém, que simplesmente tomar ciência dessa necessidade, embora seja um passo importantíssimo para motivar ações sociais em favor de uma mudança fiscal efetiva, não facilita a instauração de um novo e eficiente modelo tributário — como você poderá ver a seguir.

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Reforma tributária brasileira: uma história de tentativas e fracassos

Atualmente, a reforma tributária está no ápice de sua popularidade, sendo discutida a partir de três propostas distintas — a recentemente apresentada pelo Ministério da Economia e as apresentadas pelo Senado Federal e pela Câmara de Deputados em 2019, as PECs 110 e 45, respectivamente. No entanto, não é de hoje que essa pauta é conhecida pelos contribuintes e pelos governantes brasileiros.

Em 1995, o então presidente Fernando Henrique Cardoso havia elaborado uma proposta de mudança à forma de tributar em nosso país (PEC 175/1995), a qual, infelizmente, nunca chegou a ser votada na Câmara e, em 2003, acabou por ser arquivada. Pouco depois, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, outras duas propostas também foram desenvolvidas e posteriormente abandonadas. A primeira, apresentada pela PEC 41/2003, foi aprovada pela Câmara de Deputados, mas não pelo Senado. Seu destino, porém, ainda foi melhor do que o de sua sucessora, a PEC 233/2008 — apensada à  PEC 31/2007 —, que sequer chegou a ser analisada pela Câmara. 

“Mas qual seria o motivo para a pauta da reforma tributária não ter efetivamente avançado mesmo após vinte e cinco anos de debates e propostas?” — eis que surge a pergunta. 

Como resposta, alguns entendimentos são possíveis. O primeiro, relaciona-se às complexidades do sistema tributário nacional e como elas dificultam o estabelecimento de uma reforma eficaz. Diante de múltiplos tributos, normas e sistemas de apuração, a tarefa de desenhar mudanças completas e coerentes com a realidade do país se torna árdua, fazendo com que se dê preferência a alterações pontuais e isoladas. 

O segundo entendimento, por sua vez, pode ser explicado a partir do que disse Murilo de Oliveira Junqueira, doutor em ciência política, em seu artigo “O nó da reforma tributária no Brasil (1995-2008)”:

A ampla insatisfação com o sistema tributário induz o governo a propor reformas amplas, que alteram muitos aspectos da intrincada estrutura tributária. Essas propostas geram conflitos multidimensionais, isto é, clivagens políticas simultâneas, impedindo a formação de uma coalizão de vitória mínima. A multidimensionalidade é uma característica crônica das propostas de reforma tributária. Esse é o segredo de seu fracasso” (JUNQUEIRA, Murilo de Oliveira. 2005).

Para Junqueira, um dos principais motivos para a não aprovação de uma reforma tributária é a má estratégia dos governos ao desenhar as propostas. Conforme o autor ainda explica em um outro artigo, “O Nó Tributário: porque não se aprova uma reforma tributária no Brasil”, publicado em 2011, as sugestões de reforma, por serem tão ousadas, acabam por suscitar disputas políticas tão complexas que o avanço da pauta fica gravemente comprometido.

“Em geral, as disputas políticas em torno das propostas são tão complexas que nenhum ator é capaz de prever com exatidão o resultado do conflito. Existe um momento no qual o próprio governo resolve retirar ou abandonar a proposta, temendo os efeitos das muitas concessões e reformulações que foram feitas para mudar o projeto original” (JUNQUEIRA, Murilo de Oliveira. 2011).

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As atuais propostas de reforma tributária

Como mencionamos antes, três propostas de reforma tributária estão em trâmite hoje, uma de autoria da Câmara dos Deputados, outra de autoria do Senado Federal e uma última elaborada pelo Ministério da Economia. 

Cada qual com suas particularidades, todas elas possuem os mesmos objetivos principais: simplificar o sistema fiscal, reduzir a carga tributária e, assim, estimular a economia. No entanto, as sugestões de mudança que elas apresentam não necessariamente garantem a cobertura dessas três esferas de propósito, ou, ainda, não necessariamente garantem um modelo de reforma ideal à realidade brasileira.

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A proposta da Câmara (PEC 45/2019)

“Juntar em um só imposto cinco tributos sobre o consumo de bens e serviços que hoje são cobrados pelo governo federal, estados e municípios” — essa é a síntese da proposta de reforma tributária da Câmara, segundo definição apresentada no Portal por ela mesma criado para explicar a PEC 45/2019. 

Pelo texto de tal norma, os tributos IPI, ICMS, ISS, PIS e COFINS seriam extintos, dando lugar ao Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), o qual teria caráter federal. Ainda, a PEC sugere também a criação do Imposto Seletivo Federal (IS), que será aplicado a todos os bens e serviços cujo consumo se deseja desestimular, a exemplo de álcool e cigarro..

Entendendo os principais pontos da reforma da Câmara

Imposto sobre Bens e Serviços 

De acordo com o que pretende a Câmara, o Imposto sobre Bens e Serviços terá valor federal e “incidirá sobre base ampla de bens, serviços e direitos, tributando todas as utilidades destinadas ao consumo”. Na prática, isso significa que ao longo das cadeias de circulação de mercadorias, o IBS será cobrado sobre as “etapas de produção e comercialização”. Além disso, ele também será aplicado às transações de importação de insumos e de bens de consumo. No contexto de exportação, os contribuintes terão a oportunidade de aproveitar os créditos gerados a partir desse imposto. 

Quanto à sua alíquota, esta será resultado da “soma das alíquotas federal, estaduais e municipais” e poderá ser definida pelos próprios entes federativos (estados) e municípios. Como regime, esse tributo terá a não-cumulatividade. 

Período de transição

Para implementar essas mudanças, a Câmara prevê um período de transição de dez anos, o qual será dividido em duas fases. A primeira, deve durar dois anos com a aplicação de uma redução da alíquota das contribuições ao Cofins. A segunda, será uma fase de mudanças progressivas em que, a cada ano, ocorrerá  a diminuição em ⅛ do pagamento dos tributos ICMS, ISS, IPI e IBS e, paralelamente, o aumento da alíquota do IBS na mesma proporção.

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A proposta do Senado (PEC 110/2019)

Um pouco mais ousada do que a proposta da Câmara, a sugestão do Senado para a Reforma Tributária prevê a extinção de nove tributos: IPI, PIS, Pasep, Cofins, ICMS, ISS, IOF, Cide-Combustíveis e Salário-educação. No lugar deles, seria criado também um Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS) e um Imposto Seletivo Federal (IS). 

Ainda, de acordo com o texto da PEC 110/2019, outras mudanças ocorreriam. A exemplo, a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) seria incorporada ao Imposto de Renda (IR), o qual adotaria novas alíquotas.

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Entendendo os principais pontos da reforma do Senado

O IBS e o IS da Câmara x o IBS e o IS do Senado

Enquanto o Imposto sobre Operações com Bens e Serviços criado pela Câmara seria um tributo de competência federal, o idealizado pelo Senado seria administrado pelos estados. Já o Imposto Seletivo, por sua vez, seria aplicado não apenas sobre os itens cujo consumo se deseja desestimular, conforme sugere a Câmara, mas também sobre itens como serviços de telecomunicações, combustíveis e petróleo.

Mudanças na CSLL, no ITCMD e no IPVA 

Além de extinguir a CSLL, integrando-a ao Imposto de Renda, a proposta de reforma tributária do Senado também sugere alterações na arrecadação do ITCMD e do IPVA. Para o primeiro, a ideia é transformá-lo em um tributo de competência federal, mas com repasse de receita aos municípios. Para o segundo, o plano é torná-lo aplicável a aeronaves e embarcações e eliminar a sua incidência sobre veículos com destino comercial de pesca, transporte de passageiros e cargas.

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A proposta do Ministério da Economia (PL 3887/202)

A primeira parte da proposta de reforma do Ministério da Economia foi apresentada à análise da Câmara e do Senado no dia 21 de julho de 2020 e baseia-se na unificação dos tributos PIS e COFINS, que passariam a se chamar Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Para o Ministro Paulo Guedes e sua equipe, a criação desse imposto, o qual teria os moldes do mundialmente famoso IVA (Imposto sobre Valor Agregado), promoveria impactos significativos na economia, por meio da eliminação do regime cumulativo e a extinção de uma série de benefícios fiscais hoje aplicados à arrecadação de PIS/COFINS.

Dando sequência à proposta de uma Reforma Tributária, em junho de 2021 foram apresentadas uma série de mudanças no Imposto de Renda, além de uma proposta de Taxação de Lucros e Dividendos.

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Entendendo os principais pontos da reforma do Ministério da Economia

Por que começar pelo PIS e COFINS?

De acordo com que explicou o Ministério da Economia em documento de apresentação de sua proposta de reforma tributária, a ideia de começar a mudança no sistema fiscal a partir PIS e COFINS surge do caótico cenário legislativo em que se encontram essas duas contribuições. A exemplo, o Órgão apontou para a quantidade de normas que existem sobre elas e as incertezas que existem acerca dos conceitos de insumo e da forma de tributação de cada produto, fatores que se refletem no alto índice de processos administrativos e judiciais que discutem temas relacionados a esses tributos..

A Contribuição sobre Bens e Serviços

Existem alguns pontos cruciais de se entender acerca da CBS. Em primeiro lugar, cabe saber que essa contribuição é um imposto de valor agregado, uma modalidade de tributo que concentra em si as várias cobranças que seriam feitas aos contribuintes envolvidos ao longo de uma cadeia de produção e consumo, eliminando assim a ocorrência de bitributação — problema muito comum no Brasil devido ao grande volume de tributos sobre consumo que se encontram vigentes. 

Um segundo ponto se refere à sua incidência. De acordo com o que prevê o texto do Projeto de Lei apresentado pelo Ministério da Economia, a CBS recairá apenas sobre a receita bruta das empresas em uma alíquota fixa de 12% — para as instituições financeiras esse índice cai para 5,8%. Nesse aspecto, cabe também saber sobre a obrigatoriedade desse imposto, que será aplicável a todas as empresas que realizam atividade econômica, excluindo, assim, igrejas, condomínios de pessoas físicas proprietárias de imóveis, sindicatos e conselhos de fiscalização profissional, partidos políticos, entidades filantrópicas e de serviços sociais autônomos. 

Por fim, cabe ressaltar que esse novo imposto substituirá o PIS e a COFINS em todas as suas versões, a exemplo do PIS/PASEP e Cofins-Importação, o PIS/PASEP incidente sobre a folha de pagamentos e o PIS/PASEP e Cofins cobrado sobre receitas. 

O Imposto de Renda e a Taxação de Lucros e Dividendos

No dia 13 de julho de 2021, o deputado Celso Sabino, relator do projeto da Reforma Tributária, concluiu o texto apresentado ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira. 

Neste, foi proposta uma redução gradual de alíquota de Imposto de Renda das pessoas jurídicas. Na prática, empresas que lucram até R$ 20 mil, terão um decréscimo de 12,5% na alíquota até 2023 — indo de 15% até 2,5%. Já aquelas que lucram acima deste teto, terão a redução de 25% para 12,5% até 2023.

Originalmente, o projeto previa uma redução de apenas 5% — menos da metade da final. Entretanto, a reação geral foi bastante negativa devido a outro ponto: a taxação dos lucros e dividendos.

Desde 1995, a remuneração feita aos donos de empresas por meio de lucros e dividendos não era tributada. A proposta, da qual o governo não abre mão, acrescenta uma alíquota de 20% sobre esses valores. 

O relator do projeto afirma que o Imposto de Renda vai receber uma redução de R$ 30 bilhões na carga tributária. Entretanto, alguns especialistas tributários alertam que não há comprovação de que a diminuição do IR compense o retorno da tributação de lucros e dividendos.

Luis Wulff, CEO do Tax Group, avalia que esse ponto da proposta pode onerar pequenas e médias empresas, uma vez que a faixa de isenção é muito baixa. Wulff alerta também as empresas que tributam pelo lucro real exclusivamente trimestral, que terão seu fluxo de caixa afetado. C

Período de transição

O Ministério da Economia não prevê exatamente um período de transição para a total aplicação de sua reforma tributária, até mesmo porque a proposta foi apresentada de forma parcial até o momento. Entretanto, a ideia é que, uma vez aprovado o Projeto de Lei que apresenta as sugestões de mudanças no meio fiscal, a CBS entre em vigor dentro de um período de seis meses. 

Após a sua implementação, as empresas ainda poderão realizar o aproveitamento de créditos dos antigos PIS e Cofins, seja na forma de compensação ou restituição..

O que mudaria com a CBS

“Com um sistema mais simples, neutro e homogêneo, a reorganização das atividades empresariais será mais eficiente. Isso impulsionará a produtividade e o crescimento econômico” — essa é a síntese do que o Ministério da Economia procura alcançar com a sua reforma tributária e, consequentemente, a instauração da CBS. 

Mas não é apenas isso. Há também a intenção de reduzir os custos das empresas, simplificando os processos de declaração fiscal e reduzindo os níveis burocráticos envolvidos no cumprimento do dever tributário. Para tanto, propõe-se a implementação das seguintes mudanças:

Tributação de receitas operacionais

Dividendos, rendimentos financeiros e juros sobre capital próprio não serão tributados;

Obrigações acessórias

70% das obrigações acessórias hoje existentes para PIS e COFINS serão extintas. Além disso, serão reduzidos de 52 para 9 os campos de preenchimento na Nota Fiscal;

Regime monofásico

Será válido apenas para combustíveis (gasolina, álcool, querosene, diesel, etc.) e cigarros, não mais se aplicando a cosméticos, bebidas frias e demais produtos que costumam ser tributados dessa forma por PIS/COFINS.

Benefícios e isenções

Estarão isentas do pagamento da CBS as transações de venda de imóveis residenciais feitas a pessoas físicas, as operações realizadas por cooperativas e a prestação de serviços de transporte público coletivo.

O Simples Nacional, benefício fiscal concedido às micro e pequenas empresas no formato de regime tributário, será mantido sem alterações. Com o novo imposto, os negócios do lucro real e lucro presumido poderão também aproveitar créditos sobre a aquisição de bens e serviços comercializados por empresas do Simples. 

Sobre a área de livre comércio, a chamada Zona Franca, ela será mantida, mas seus procedimentos e normativas sofrerão ajustes.

Aproveitamento de créditos

Deixa de ser feito a partir do critério financeiro e passa a ser feito com base no critério fiscal, ou seja, com base nos valores destacados em nota. 

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Os impactos da CBS: por que ela gerou tantas discussões?

Realizando uma análise crítica acerca do que se propôs quanto à criação da CBS,  economistas e tributaristas têm identificado pontos de incoerência entre os benefícios que, segundo o Ministério da Economia, irão derivar da aplicação do novo imposto e os impactos que, de fato, ele irá causar. A exemplo, podemos citar a contradição existente no que se refere à diminuição da carga tributária. 

Enquanto o Ministério afirma que ela será reduzida, cálculos realizados pelos economistas Fábio Goto e Manoel Pires, do Observatório Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), mostram que, na verdade o novo tributo irá gerar um aumento de aproximadamente R$ 50,3 bilhões na carga fiscal, em decorrência do aumento da alíquota de 9,25% (hoje praticada no regime não-cumulativo de PIS e COFINS) para 12%. 

Além disso, Luis Wulff, Giovanni Dallegrave, Hugo Smith e Fábio Baumgratz, sócios-diretores do Tax Group e especialistas em matéria tributária, chamam atenção para outro ponto importantíssimo: o impacto que a CBS, uma vez aprovada, terá sobre os prestadores de serviços. Eles explicam que setores como construção civil, hotelaria, restaurantes, telemarketing  e muitos outros terão a sua tributação triplicada com a CBS. Esclarecendo o cálculo, Dallegrave diz que, hoje, essas empresas apuram PIS/COFINS no regime cumulativo, dentro do Lucro Presumido, no percentual de 3,65%. Assim, a alíquota de 12% do novo tributo representaria um custo bastante pesado sobre o faturamento, ainda mais considerando o atual período de crise, que já muito fragilizou esses negócios.

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E justamente os contrastes entre as promessas do Governo em relação à sua proposta e os impactos que ela de fato irá causar é que foram responsáveis por levantar tantos debates no meio corporativo, econômico e tributário. As discordâncias e preocupações em relação à reforma apresentada pelo Ministério até mesmo motivou a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) a sugerir alterações no texto do PL 3887/2020. O Órgão, no dia 03 de agosto, enviou à Câmara dos Deputados suas recomendações de ajuste à norma, propondo a extensão da lista de isenções fiscais da CBS e uma nova forma de aproveitamento dos créditos gerados a partir do imposto. 

E analisando a reforma tributária proposta pelo Ministério sob o critério de efetividade, Smith julga que ela pouco simplificou a complexidade que hoje existe no âmbito tributário brasileiro. Para ele, em vez disso, ela gerou efeitos contrários ao que seria ideal para o país, aumentando a carga tributária, por exemplo. “No pós-crise, esse valor [decorrente do aumento da carga tributária] será repassado ao consumidor final. Elevando os impostos na prestação de serviços, se gera um impacto significativo no orçamento das pessoas de baixa renda, pois os preços na ponta vão ser mais caros. Isso vai acabar causando uma diminuição da economia, porque as pessoas vão consumir menos. [Além disso, a elevação da carga tributária] vai aumentar muito o número de falências e de recuperações judiciais das empresas” — afirma ele. 

Nesse ponto, Dallegrave ainda complementa, dizendo que, apesar de se posicionar sob a bandeira da simplificação, a atual proposta do Governo não corresponde ao que promete. “Quando a gente analisa concretamente a proposta de reforma apresentada pelo Governo — diz ele —, a gente que vê que, primeiro, ela não é ampla, no sentido que é limitada ao federal; segundo, não é para reduzir carga tributária, porque vem acompanhada de aumento de alíquota; e, definitivamente, ela não é uma reforma que tira a complexidade, na medida em que continuam existindo créditos e alíquotas diferenciadas para empresas que estão no Simples Nacional, que continuam existindo isenções e imunidades, zonas de tributação especial, áreas de livre comércio, regimes monofásicos, instituições financeiras com tratamento diferenciado — declara.

Baumgratz, por sua vez, examinando a proposta por um ângulo mais global, ainda argumenta que nem mesmo a propaganda do Ministério em torno dos benefícios de se implementar um Imposto sobre Valor Agregado no Brasil é coerente. “Se hoje juntarmos toda a carga tributária existente e compararmos com o que existe em outros países, no modelo do IVA, nós teríamos o maior IVA do mundo. Aproximadamente 35%, considerando os impostos estaduais e municipais. Totalmente fora do que estávamos esperando, em termos de reforma tributária” — diz ele.

Wulff, indo além, afirma que o texto apresentado pelo Ministério sequer pode ser considerado uma proposição de reforma tributária, mas apenas uma modificação na legislação do PIS e da COFINS. “Reforma Tributária seria o entendimento de olhar o todo, tributação federal, estadual e municipal, e discutir pacto federativo. Depois disso, estando o pacto federativo bem discutido, aí sim se teria condição de fazer uma reforma” — conclui.

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Expectativa x realidade: as atuais propostas de reforma podem realmente melhorar o sistema fiscal do Brasil?

Há inúmeras expectativas em torno de como uma reforma tributária poderá mudar os rumos do empreendedorismo brasileiro, facilitando o dia a dia dos negócios e impulsionando a economia. No entanto, de acordo com o que podemos verificar a partir das propostas que hoje se encontram em trâmite, são altas as chances de que as esperanças depositadas sobre uma possível reforma não sejam correspondidas.

Analisando as linhas de proposta apresentadas pela Câmara e pelo Senado, por exemplo, vemos que, a despeito de suas particularidades, ambas convergem em algumas percepções, apresentando sugestões similares para solucionar a fragmentada tributação sobre bens e serviços que hoje se aplica no país. Mas embora detenham potencial para gerar bons resultados, as mudanças que apontam não são capazes de, sozinhas, contemplar e sanar todas as dificuldades tributárias que se enfrentam hoje no país. A tributação sobre o consumo, por exemplo, não seria alcançada. E desconsiderar que esse é justamente o cerne das deficiências fiscais do Brasil é uma grande falha. 

A reforma proposta pelo Ministério da Economia também não pode ser considerada totalmente eficaz. Ainda mais pelo fato de que, até o momento, ela tocou em apenas um pequeno ponto dentro de um grande leque de problemas na estrutura tributária do país que precisam ser resolvidos. 

E diante de tal cenário, as expectativas sobre os benefícios que a aprovação de uma reforma tributária poderia proporcionar ao Brasil são reduzidas violentamente. 

Caso se queira, verdadeiramente, alcançar um sistema fiscal eficaz, o foco das alterações que se sugerem deve ser ajustado. É preciso levar em conta muito mais do que simplesmente o número de impostos e a desburocratização dos processos. Enquanto não analisarmos o cenário geral, as soluções que encontrarmos não terão abrangência equivalente ao que desejamos e precisamos.

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